Egas Moniz passeou toda a
noite na muralha do castelo de Guimarães. De vez em quando suspendia a
marcha e debruçava-se a olhar as fogueiras acesas no acampamento inimigo. O
vento trazia-lhe vozes, risos, palavras soltas que a distância não lhe
permitia entender. Em todo o caso, uma coisa era certa: a vantagem estava do
lado de lá! D. Afonso VII trouxera consigo muitos cavaleiros, muitas armas e
decerto mantimentos para aguentar um cerco prolongado.
Ora dentro do castelo
passava-se exactamente o contrário. Poucos eram os homens disponíveis e
capazes para a luta. Escasseavam as armas, e se ficassem ali fechados muito
tempo faltariam não só os alimentos como até a água.
Na qualidade de guerreiro
apetecia-lhe apoiar os ímpetos de Afonso Henriques, que apesar de muito
jovem insistia em mandar abrir os portões para jogar tudo por tudo numa luta
em campo aberto. Mas o senso próprio da idade impedia-o. Já repetira várias
vezes diante dos mais novos: «Só vale a pena ir à luta quando há hipótese de
vencer. Levantar a espada para uma derrota certa não é bravura, é loucura.»
Mas, por muito que se esforçasse,
não conseguia convencer nem Afonso Henriques nem o seu filho Lourenço, que o
espicaçava por trás a dizer que eles os dois valiam por dez e dariam cabo dos
inimigos à espadeirada. A situação não podia prolongar-se
indefinidamente; era preciso tomar uma decisão rápida, não fossem os
acontecimentos precipitar-se da pior maneira. Sempre passeando para cá e para lá
nas muralhas, Egas Moniz meditava: «D. Teresa encarregou-me de educar e proteger
Afonso Henriques; essa é a minha primeira obrigação. Não posso portanto
consentir que arrisque a vida num acto tresloucado. Que fazer, meu Deus?»
Para melhor equacionar o problema,
foi formulando perguntas-chave, às quais dava resposta pronta.
«O que quer Afonso VII? Quer
obrigar D. Teresa a jurar-lhe obediência. Ora ela não está cá, e se estivesse
também não sei o que faria; mas isso agora não interessa. Preciso de forçar
Afonso VII a partir com os seus homens sem que haja luta. Vou falar com ele.»
A primeira decisão estava tomada.
Faltava decidir o que havia de lhe dizer. Depois de muito pensar, resolveu que
tudo se passaria da seguinte maneira: saía a horas mortas, para que ninguém se
apercebesse, dirigia-se à tenda do rei e comprometia-se sob palavra de honra a
que no dia em que D. Afonso Henriques sucedesse à mãe no governo do Condado
Portucalense lhe juraria obediência.
E assim foi. O rei aceitou a
proposta; na manhã seguinte levantou o cerco e partiu.
No castelo de Guimarães toda a
gente festejou o afastamento dos inimigos, e como não sabiam o porquê da
retirada inventaram-se logo uma série de versões.
No ano seguinte D. Afonso Henriques
revoltou-se contra a mãe, derrotou os cavaleiros dela na batalha de S. Mamede e
tomou conta do governo. Só então Egas Moniz lhe contou a verdade sobre o cerco
de Guimarães. Em vez de agradecer, Afonso Henriques enfureceu-se:
- Jurar obediência ao meu primo?
Prestar vassalagem a um homem que vale menos do que eu? Nunca! Ele herdou o
reino de Leão e Castela mas eu hei-de transformar o meu condado num reino
independente.
Egas Moniz orgulhava-se de o ouvir
falar assim, e não tentou dissuadi-lo. Mas como tinha dado a sua palavra de
honra, pensou que só a morte podia servir de resgate. Então dirigiu-se à cidade
de Toledo levando a mulher e os filhos, pois a vergonha da mentira recaía sobre
toda a família. Apresentaram-se diante de D. Afonso VII descalços, com o traje
dos condenados à morte e uma corda ao pescoço. Perante o assombro da corte, Egas
Moniz declarou que, não podendo cumprir o juramento, estava ali disposto a
morrer com os seus. Pedia apenas para não ser enterrado por estranhos.
Acompanhava-o um criado a quem gostaria que encarregassem do serviço.
Afonso VII ficou profundamente
impressionado. Um homem tão leal não merecia a morte! Libertou-o do compromisso
e mandou que regressasse a casa com a família em liberdade.
O túmulo de
Egas Moniz encontra-se na igreja de Paço de Sousa e está decorado com
figuras talhadas na pedra que ilustram a história. Nem sequer falta o criado
com a pá às costas.
in Ana Maria
Magalhães e Isabel Alçada, Portugal - História e Lendas, ed. Caminho
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