quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A lenda de Egas Moniz

Como nós escrevemos uma passagem da história de Guimarães e falamos de Egas Moniz, deixo-vos o texto da lenda que vos contei.

Egas Moniz passeou toda a noite na muralha do castelo de Guimarães. De vez em quando suspendia a marcha e debruçava-se a olhar as fogueiras acesas no acampamento inimigo. O vento trazia-lhe vozes, risos, palavras soltas que a distância não lhe permitia entender. Em todo o caso, uma coisa era certa: a vantagem estava do lado de lá! D. Afonso VII trouxera consigo muitos cavaleiros, muitas armas e decerto mantimentos para aguentar um cerco prolongado.
Ora dentro do castelo passava-se exactamente o contrário. Poucos eram os homens disponíveis e capazes para a luta. Escasseavam as armas, e se ficassem ali fechados muito tempo faltariam não só os alimentos como até a água.
Na qualidade de guerreiro apetecia-lhe apoiar os ímpetos de Afonso Henriques, que apesar de muito jovem insistia em mandar abrir os portões para jogar tudo por tudo numa luta em campo aberto. Mas o senso próprio da idade impedia-o. Já repetira várias vezes diante dos mais novos: «Só vale a pena ir à luta quando há hipótese de vencer. Levantar a espada para uma derrota certa não é bravura, é loucura.»
Mas, por muito que se esforçasse, não conseguia convencer nem Afonso Henriques nem o seu filho Lourenço, que o espicaçava por trás a dizer que eles os dois valiam por dez e dariam cabo dos inimigos à espadeirada. A situação não podia prolongar-se indefinidamente; era preciso tomar uma decisão rápida, não fossem os acontecimentos precipitar-se da pior maneira. Sempre passeando para cá e para lá nas muralhas, Egas Moniz meditava: «D. Teresa encarregou-me de educar e proteger Afonso Henriques; essa é a minha primeira obrigação. Não posso portanto consentir que arrisque a vida num acto tresloucado. Que fazer, meu Deus?»

Para melhor equacionar o problema, foi formulando perguntas-chave, às quais dava resposta pronta.
«O que quer Afonso VII? Quer obrigar D. Teresa a jurar-lhe obediência. Ora ela não está cá, e se estivesse também não sei o que faria; mas isso agora não interessa. Preciso de forçar Afonso VII a partir com os seus homens sem que haja luta. Vou falar com ele.»
A primeira decisão estava tomada. Faltava decidir o que havia de lhe dizer. Depois de muito pensar, resolveu que tudo se passaria da seguinte maneira: saía a horas mortas, para que ninguém se apercebesse, dirigia-se à tenda do rei e comprometia-se sob palavra de honra a que no dia em que D. Afonso Henriques sucedesse à mãe no governo do Condado Portucalense lhe juraria obediência.
E assim foi. O rei aceitou a proposta; na manhã seguinte levantou o cerco e partiu.
No castelo de Guimarães toda a gente festejou o afastamento dos inimigos, e como não sabiam o porquê da retirada inventaram-se logo uma série de versões.
No ano seguinte D. Afonso Henriques revoltou-se contra a mãe, derrotou os cavaleiros dela na batalha de S. Mamede e tomou conta do governo. Só então Egas Moniz lhe contou a verdade sobre o cerco de Guimarães. Em vez de agradecer, Afonso Henriques enfureceu-se:
- Jurar obediência ao meu primo? Prestar vassalagem a um homem que vale menos do que eu? Nunca! Ele herdou o reino de Leão e Castela mas eu hei-de transformar o meu condado num reino independente.
Egas Moniz orgulhava-se de o ouvir falar assim, e não tentou dissuadi-lo. Mas como tinha dado a sua palavra de honra, pensou que só a morte podia servir de resgate. Então dirigiu-se à cidade de Toledo levando a mulher e os filhos, pois a vergonha da mentira recaía sobre toda a família. Apresentaram-se diante de D. Afonso VII descalços, com o traje dos condenados à morte e uma corda ao pescoço. Perante o assombro da corte, Egas Moniz declarou que, não podendo cumprir o juramento, estava ali disposto a morrer com os seus. Pedia apenas para não ser enterrado por estranhos. Acompanhava-o um criado a quem gostaria que encarregassem do serviço.
Afonso VII ficou profundamente impressionado. Um homem tão leal não merecia a morte! Libertou-o do compromisso e mandou que regressasse a casa com a família em liberdade.
O túmulo de Egas Moniz encontra-se na igreja de Paço de Sousa e está decorado com figuras talhadas na pedra que ilustram a história. Nem sequer falta o criado com a pá às costas.

in Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Portugal - História e Lendas, ed. Caminho

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